e-book grátis: HONORÉ DE BALZAC: vida e obra, Albert Keim & Louis Lumet

HONORÉ DE BALZAC, o mestre do romance francês, do qual abordou vários géneros, desde o romance filosófico com ‘Le Chef-d’oeuvre inconnu’ ao romance fantástico com ‘La Peau de chagrin’ ou mesmo o romance poético com ‘Le Lys dans la Vallée’ . Ele se destacou acima de tudo na veia do realismo, notadamente com ‘Le Père Goriot’ e ‘Eugénie Grandet’.

Um escritor frenético, debilitando sua saúde por seus excessos, endividado por investimentos arriscados e excessos suntuosos, fugindo de seus credores sob nomes falsos em várias residências, Balzac também teve muitos casos de amor antes de se casar em 1850.

Disperso, prolífico, ambicioso, genial: Honoré de Balzac (1799-1850) foi, como ele mesmo dizia, mais que um romancista, um cronista de costumes. Seu maior projeto literário, “A comédia Humana”, tomou vinte e um anos de sua vida e foi interrompido apenas com sua morte, aos 51 anos. Na imensa obra, Balzac pretendeu fazer um verdadeiro inventário da França no século XIX: costumes, negócios, casamentos, ciências, modismos, política, profissões, tudo entrava nesse imenso painel, costurado com maestria narrativa e exibido aos poucos em folhetins. Edição ilustrada.

Para ler: https://bit.ly/3DC6ugd

A comédia humana

La comédie humaine (em português A comédia humana) é o título pelo qual o autor francês Honoré de Balzac decidiu chamar todo o conjunto de sua obra, com exceção de alguns romances iniciais, e que constitui 95 obras concluídas e 48 inconclusas, em sua maior parte romances, novelas e contos, que retratam principalmente a ascensão da burguesia, ocorrida à época da Restauração francesa.

La comédie humaine é constantemente republicada na íntegra ou experimenta a publicação solitária de alguns de seus romances. No Brasil, foi publicada integralmente em dezessete volumes, entre 1945 e 1953, pela Editora Globo, de Porto Alegre e reeditada entre 1989 e 1993, pela nova Editora Globo em ambas as ocasiões com orientação, introduções e notas de Paulo Rónai.

Uma tarefa colossal

Tudo n’A Comédia Humana é imenso: dezessete volumes (nas edições brasileiras), noventa e cinco obras (mas planejada para ter cento e trinta e sete), mais de dez mil e seiscentas páginas (na edição da nova Editora Globo), mais de dois mil e quinhentos personagens. No entanto, Balzac não se referia a si mesmo como escritor e, sim, como historiador de costumes. Conforme Terezinha de Camargo Viana, “Balzac, ao se propor como “historiador de costumes”, tem como perspectiva assinalar o processo de profundas mudanças pelas quais passa a sociedade francesa na primeira metade do século XIX, evidenciando a transição do Antigo Regime à consolidação da moderna sociedade burguesa”. Para atingir este objetivo, o autor introduziu na literatura assuntos, profissões e classes que nela nunca tiveram lugar antes: o sistema de transporte interurbano na França, o processo da tipografia, o jornalismo nascente, a rotina dos cartórios e dos escritórios de advocacia, os comerciantes e suas listas de clientes e fornecedores, o sistema de descontos de letras, a confecção de perfumes, atas de concordatas, montagem de processos de falências etc, a nada Balzac se furtou, sem jamais cair no ridículo ou na monotonia. Tratou também da luta de classes (seu romance póstumo Os Camponeses contém, pela primeira vez na literatura, a palavra “comunismo”), do espiritismo, dos meandros da política, do misticismo e de temas espinhosos, como o lesbianismo. Aliás, segundo Otto Maria Carpeaux, o gênero literário romance divide-se em antes e depois de Balzac. Antes, como em Manon Lescaut, do Abade Prévost, A Princesa de Clèves, de Madame de La Fayette ou A Nova Heloísa, de Jean-Jacques Rousseau, um romance seria “a relação de uma história extraordinária, ‘romanesca’, fora do comum . Depois, o espelho do nosso mundo, dos nossos países, das nossas cidades e ruas, das nossas casas, dos dramas que se passam em nossos apartamentos e quartos”.

Edouard Manet Café: Cabaret von Reichshoffen

O primeiro volume saiu em 1842, mas a essa altura quase todas as obras já haviam sido publicadas, tanto em jornais como em forma de livros. Balzac estreou nas letras na década de 1820, escrevendo subliteratura influenciada pelo romance gótico, com títulos como A Última Fada ou a Nova Lâmpada MaravilhosaAnette e o CriminosoJoão Luís ou a Enjeitada e Clotilde de Lusignan ou o Belo Judeu. Sabia que eram livros sem nenhum valor artístico, por isso assinava-os com pseudônimos como Lord R’hoone e Horace de Sainte-Aubin. Finalmente, em 1829 publicou o primeiro título que assinou com seu nome, o romance histórico A Bretanha em 1799. A partir daí, em um ritmo cada vez mais frenético, saíram até 1833, entre outros, A Pele de OnagroLuís LambertSobre Catarina de MédicisFisiologia do CasamentoO Coronel ChabertEugênia Grandet e uma grande quantidade de contos, como Uma Paixão no DesertoO RomeiralA Obra-Prima IgnoradaO Ilustre GaudissartA Estalagem Vermelha etc. Em 1834, resolve classificar todas as suas obras em três grupos: Estudos de CostumesEstudos Filosóficos e Estudos Analíticos. Finalmente, em 1842 encontra o título definitivo de todo o conjunto: A Comédia Humana, um evidente contraponto à Divina Comédia de Dante.

Ainda em 1834, Balzac teve a ideia, inédita na história da literatura, de fazer reaparecer suas personagens em diferentes obras, em diferentes estágios de suas vidas: aqui na juventudade, ali velhos e pobres, acolá ministros ou banqueiros; aqui coadjuvantes, ali figuras centrais; felizes em um conto, infelizes em um romance; por vezes ainda ingênuos e cheios de sonhos, uns rematados crápulas em outro momento etc. Essa invenção “originalíssima e de grande alcance, cujo mérito cabe exclusivamente a Balzac”, nas palavras de Paulo Rónai, repercutiu não muito favoravelmente à época, mas teve uma enorme influência sobre inúmeros escritores, entre eles Camilo Castelo Branco, Marcel Proust, William Faulkner e José Lins do Rego. Decisão tomada, Balzac pôs-se a refazer muitas de suas obras, trocando nomes e biografias de personagens, ajustando situações, datas, etc até conseguir um todo coerente. Considerando-se que a galeria dos tipos criados pelo autor chega à casa dos milhares, é surpreendente que ele raras vezes tenha se enganado em algum pormenor físico, psicológico ou biográfico de suas criaturas. Naturalmente, nem todas as personagens participam de mais de uma obra: Oscar Husson, por exemplo, protagoniza e só aparece em Uma Estreia na Vida; César Birotteau está todo em História da Grandeza e da Decadência de César Birotteau; e assim, com inúmeros outros. Entretanto, aproximadamente seiscentos, como Eugênio de Rastignac, a Marquesa d’Espard, o doutor Bianchon, a Condessa de Restaud, arrivistas como Máximo de Trailles e Henrique de Marsay, a corista Florina, o caricaturista Bixiou, o dândi português Marquês Miguel d’Ajuda-Pinto e um longo etc transitam por diversos livros, às vezes como personagens principais, às vezes (ou sempre) secundárias, às vezes apenas entrevistos ou entreouvidos. Só Esplendores e Misérias das Cortesãs, por exemplo, conta com mais de cento e cinquenta reaparições! O fato dessa técnica transformar cada romance, novela ou conto em capítulos de um conjunto maior e único, não significa que eles não possam ser lidos separadamente, com raríssimas exceções.

Edouard Manet – Paveurs de la Rue Mosnier

Cheio de ideias, com mil planos na cabeça e atormentado por eternas dívidas, Balzac impôs-se uma rotina insana que fazia com que trabalhasse de quatorze a dezoito horas por dia. Apenas em 1834 foram publicados A Procura do Absoluto, O Pai Goriot, A Duquesa de Langeais e Um Drama à Beira-Mar; em 1835, SeráfitaA Menina dos Olhos de OuroMelmoth ApaziguadoO Lírio do Vale e O Contrato de Casamento. E assim, todo o conjunto que forma A Comédia Humana foi escrito em menos de vinte anos. E de que tratam todos esses livros? A rigor, Balzac fala de uma única paixão. Porém, ao contrário dos escritores até então, essa paixão não é mais o Amor, e sim o Dinheiro: os personagens se humilham, casam, traem e cometem crimes para escalar posições sociais, para manter as aparências, para adquirir poder. Amor, honra, lealdade, honestidade, tudo se subordina às novas tentações trazidas pela vida moderna pós-Revolução Francesa. Assim, é imperioso acalmar credores, resgatar letras vencidas junto a usurários, amortizar dívidas contraídas nos elegantes magazines erguidos em luxuosas galerias (os centros comerciais da época), exibir chapéus, luvas e bengalas incrustadas de diamantes em passeios pelos bulevares ou ainda ser aceito nos exclusivos salões da fervilhante Paris, a capital do mundo. Carpeaux fez a síntese: “A Comédie Humaine é a “Tragédia do Dinheiro””. Balzac, não à toa considerado o criador do romance moderno, intuiu que aparência é tudo e que, dentro em pouco, todos estariam sujeitos à influência avassaladora da imprensa e da publicidade. Por outro lado, apesar de ferrenho monarquista e feroz católico, e apesar de em vários momentos colocar na boca de algum personagem suas ideias conservadoras, até mesmo reacionárias, Balzac disseca com invejável imparcialidade a ascensão da odiada burguesia, e a derrocada final da sempre bajulada nobreza, que se afogou em decadência moral e se deixou corromper por aquela nova classe social. Por isso, Vitor Hugo, em discurso proferido sobre sua tumba, afirmou que, querendo ou não, Balzac pertencia “à forte raça dos escritores revolucionários”. Friederich Engels e Karl Marx, fãs confessos, não poderiam concordar mais.

Mesmo depois do início da publicação dos volumes da A comédia humana, Balzac continuava a revisar incessantemente suas obras. Além da divisão nos já citados Estudos de Costumes, Filosóficos e Analíticos, criou subdivisões, como Cenas da vida privadaCenas da vida provincianaCenas da vida parisiense etc, num total de seis, todas subordinadas aos Estudos de Costumes. Indeciso, diversos livros foram colocados arbitrariamente pelo autor ora em uma categoria, ora em outra, mesmo porque essas divisões sempre foram muito artificiais. Ilusões Perdidas, por exemplo, apesar de fazer parte das Cenas da Vida Provinciana, caberia tranquilamente nas Cenas da vida parisiense; as obras arroladas em Cenas da vida rural poderiam perfeitamente ser colocadas entre as Cenas da Vida Provinciana; já as obras que compõem as Cenas da Vida Privada passam-se em Paris, em sua maioria, daí poderem fazer parte das Cenas da vida parisiense. Mas, ainda não satisfeito, Balzac criou ainda várias novas subdivisões dentro das Cenas: “Os Primos Pobres”, para acomodar A Prima Bette e O Primo Pons, “Os Celibatários”, “Os Parisienses na Província”, “História dos Treze” etc. Pouco disso era necessário, porém demonstra mais uma vez a vontade do autor de ser o mais racional e analítico possível.



		
		
			

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